27 de nov. de 2008

Meu Pai, Meu Herói


Joana sempre teve em seu pai o heroi de suas histórias. Quando era pequena, subia em suas costas e ele trotava por toda a casa como se fosse seu cavalo alado. Antes de dormir, contava sempre a mesma hisória, a pedido dela, sobre o dia em que Sao Pedro ficou doente e os bichinhos da floresta passaram dias na seca, sem um pinguinho de chuva. Em noites de insonia, quando ela chorava com medo de morrer, ele segurava na sua mao e cantava: Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer... Na escola, quando pergutavam sobre a profissao do pai, ela enchia a boca pra dizer MICROBIOLOGISTA sem ter a menor idéia do que aquilo significasse. E quando repetiu a quinta série, foi ele quem lhe deu a notícia dizendo: Minha filha, nao fique triste. Voce nao foi a primeira e nem a última. Será melhor pra voce. Certo dia ela decidiu que queria aprender a andar cavalo de verdade. Ele, que nunca teve dinheiro para tanto, achou uma escolinha pangaré perto do sítio e, por mais de ano, levou-a religiosamente todos os domingos, as 8h da manha, para ter as aulas. Joana vinha a cada hora com uma mania diferente e ele sempre acompanhava como quem quer ver aonde aquilo vai dar. Virou beata de igreja e ele, que sempre fora ateu, ia com ela às missas sempre com um trocadinho no bolso para que ela depositasse na caixinha do dizimo. Depois quis ser judia. Ele, mais uma vez, a apoiou em todas as buscas de documentos e assinaturas para entrar para a Hebraica. Quis mergulhar, ele arrumou um instrutor, quis viajar, ele lhe deu o mundo. Foi ele também, quando ela completou 12 anos, que comprou um lancha (outro pangaré, só que esse a motor) para ensinar-lhe a esquiar. Assim como ele, ela nunca chegou a fazer grandes manobras. Mas depois de dias na represa de Segura firme na manete, Vou esticar a corda, Vai pai! Ao fim de uma chuva de verao, que deixa as aguas lisas como um espelho, num desses Vai! ela foi e aprendeu. Quando ele achou que já estava em tempo, deu a ela dois tesouros: Revolucao dos Bichos e O Mundo de Sofia. O primeiro ela até conseguiu entender - com a ajuda do pai, claro - mas o segundo ela largou antes mesmo de Sofia receber o terceiro envelope. Isso, no entanto, nao a desencantou com livros, pelo contrário, viu neles uma oportunidade de ser como seu heroi. Já adolescente, aos 15 anos, Joana apresentou ao pai o primeiro namorado. Ele, ao contrário de sua maioria, calou-se tentando segurar uma ou duas lágrima que insistinham a cair pelo rosto. Apertou firme a mao do rapaz enquanto dizia: é um enorme prazer. Naquele mesmo dia levou a filha para o seu restaurante japones predileto e disse a garconete: Marilda, duas cervejas, por favor. Hoje o dia é de comemoracao. O namoro nao durou muito, mas as cervejinhas entre pai e filha tornaram-se cada vez mais constantes. Eles falavam de tudo. Foi ele quem a apresentou a Sartre, relatividade, quantica, comunismo, Elis Regina, pesca submarina, Novos Baianos, Amazonia, ditadura. Foram nessas conversas, banhadas de muita filosofia e brahma, que Joana comecou a entender realmente a lingua do pai - dai em diante e para sempre na sua cabeca o maior de todos os cientistas maulcos. Quando ela comecou a ter dúvidas sobre quem era - ou conheceu o existencialismo - ele contou com um brilho nos olhos sobre o dia em que descobriram, durante uma experiencai em meados de 20, que as ondas podiam tornar-se moléculas e as moléculas podiam torna-se ondas. E que, portanto, nada tinha uma forma definida, nem ela precisava ter. Quando ela fez sua primeira tatuagem ele definiu seguro: Isso, segundo Darwin, é ritual de acasalamento. Os pavoes exibem as penas e voce, minha filha, pinta o corpo. Mas o fim é o mesmo, chamar a atencao do sexo oposto.

Um comentário:

Ana Carolina Ralston disse...

a joana tem sorte de ter essa pessoa tão linda ao seu lado