22 de nov. de 2010

A vida que me pertence no presente momento

O suvaco peludo, o mau humor, o esmalte descascado, as meias sem par. A boemia incessante, a sindrome de Peter Pan. A negacao ao casamento, à rotina, à obediencia e à normatizacao. O nao pelo nao, a birra. O sim, pelo sim, a indiferenca. O vício pelo café, pela alcool, pela noite e outras cositas mas. A inconstancia, a descerimonia. A vadiagem, o desapego, a preguica, o sono profundo, a afetacao. A solidao, a dúvida, o questinameto. A alienacao, o esquecimento, a busca, o ingenuo mas ativo engajamento. O mes carente de fim de semana e de segunda-feira também. As dividas, as calcas curtas, o dinheiro nao poupado, o tempo gasto até o último vintém. O quarto do avesso, as diferencas acertadas, as pequenas comunidades, as áreas comuns. O eu, o outro, o nós. As disciplinas pessoais, os limites, as forcas. Os desentendimentos, os diálogos, a impermanacia, a partida e o ficar. A inseguranca, a carencia. O teto, o cobertor, o carinho, a geladeira, o calor e a banheira dividos em muitos sem quase nao faltar nada à ninguem. Os jantares sem ocasiao, a luz de vela. O sexo sem dono, o coracao ocupado. Os incontaveis passados, o único presente, o futuro impensado. As possibilidades, o anonimato. Os semi-empregos, a vida paralela, os projetos, crencas, aspiracoes e frustracoes tao sortidos quanto pessoais. O tempo livre, a fadiga, a tosse, o nariz escorrendo. As contas, a roupa de cama e banho, a louca, pecas de jogos incompletos, guardados com singela ordem num único armário de todos. As mentiras sem maldades, as verdades insensieis. A arte, o casameto político, as amizades adiplomáticas. O medo e a coragem, as paredes sem acabamento. A indiferente opcao sexual e sua maleabilidade. A experincia, o cansaco, o abatimento. A fuga, a fulgacidade, o desassosego. A vida que me pertence no presente momento.

Cheguei a Berlin vestida de planos de fachada, corregando na mala todos os meus segredos. Era 29 de fevereiro, dia quase inexistente em calendários. Entrei por ele - porta que se fechou às minhas costas - num mundo paralelo, tao meu quanto de ninguém, tao sem dono como todos. Serviu-me como que feito por medida, nem pequeno nem grande. A mágica de ter todo e apenas o tamanho que merece, espacoso o suficiente para que nao transborde às linhas alheias, estreito o bastante para que nao me afrouxe à cair.

E sumi na multidao.