28 de mar. de 2008

“Abortagem“

Tenho pressa! Sim, ando sempre atrasada comigo. Acordo com pressa e quero logo estar no banho. Quando no banho, tenho pressa de estar pronta e então de pegar o onibus e chegar o quanto antes na faculdade sem mais conseguir esperar pelo fim da aula para que enfim eu almoce e chegue a tempo em casa. Tenho pressa por um cigarro e então que ele se queime logo. Meu coração dispara, vai e volta a mil por hora. Sinto fome e como depressa e muito e cada vez mais porque ela não passa. Ouvi que o tempo não para e quero também que ele logo passe. Tenho urgencia de velocidade. Sim, sinto pressa. E me pergunto: pressa do que se nunca chego? De morte, porque não. E se não acabo logo com isso é porque tenho esperança. A esperanca não se cansa de esperar, e por isso ela me atrasa. A esperança espera que um dia alcance, o que? A paz em vida, antes da grande que é a morte. Ela quer ter conciencia de paz e para isso, só estando em vida. Talvez, a esse tempo, eu consiga perceber que todo o barulhento movimento se passa apenas dentro de mim e que, se eu quiser, o além das fronteiras do que sou eu pode ser ausente de ventos e correntesas.
É! Corro, como filha de Insã que sou, porque sou do vento.

Tenho pressa de ser o que não sou, mas me demoro e quando sou o que queria ser já é tarde, não sou mais o que quero agora. Tenho pressa de me encontrar e não sei mirar o horizonte. Em que direção estou? Será que corro para mim ou de mim? Não paro para pensar porque olhar-me por dentro me cansa mais do que correr. Também não paro por medo. Temo que, ao freiar, o vento viciado passe levando minhas máscaras e me jogando nua e oca pelo chão. Sim, porque apesar de calejadas em meu rosto há tanto tempo, sinto as máscaras desgastadas e frágeis, quase pequenas para o corpo que imperceptivelmente cresce e silencio. 

E entao, será que as pessoas me reconheceriam? Não, elas já não entendem a necessidade de parar. Será que eu me reconheceria? Já não enxergo meus pés. Será que eu era e desapareci ou será que nunca fui e estou nascendo?

Sinto contrações. O momento de escolher se aproxima e isso de certa forma faz com que eu diminua o ritmo involuntariamente. Sinto calor e alívio. É como se eu tivesse estudado durante toda a vida que tive até aqui para responder a essa única pergunta, para me submeter a essa única prova. Não há mais o que revisar nem nada que se possa fazer a não ser enfrentar.

Enfim, eis a questão:
Ser ou não ser?

Um comentário:

Flor de raposa disse...

Ser sempre!
Iansãzinha... faz falta.